História:
Mulheres Compositoras
Ao longo dos séculos, inúmeras mulheres deixaram contribuições profundas para a música de concerto, apesar de terem sido frequentemente silenciadas por estruturas sociais patriarcais. Este projeto homenageia suas obras, suas lutas e seus legados — uma jornada musical que une pesquisa, educação, performance e transformação.

Hildegard von Bingen (1098-1179)
Hildegarda de Bingen foi uma das personalidades mais notáveis e multifacetadas da Idade Média. Monja beneditina, mística, teóloga, escritora, compositora e até dramaturga, ela deixou um legado intelectual e espiritual impressionante. Sua produção musical reflete diretamente sua visão de mundo: uma concepção profunda da existência como um equilíbrio entre corpo e espírito, natureza e graça divina, vontade humana e sabedoria celestial. As temáticas que escolhia para suas composições dialogavam intimamente com suas experiências visionárias e seus pensamentos teológicos, revelando uma música que é, ao mesmo tempo, oração, reflexão e expressão artística.
Maddalena Casulana
(ca. 1544 – ca. 1590)
Maddalena Casulana foi uma compositora, cantora e lutenista renascentista italiana, conhecida como a primeira mulher europeia a ter uma obra musical publicada. Nascida por volta de 1544, ela estudou em Florença e viveu em Veneza, onde se estabeleceu como professora de canto e composição. Em 1568, publicou seu Primeiro Livro de Madrigais a Quatro Vozes — um marco histórico tanto na música quanto na história editorial. A obra foi dedicada à nobre Isabella de’ Medici, com uma introdução que desafiava explicitamente a visão dominante de que as mulheres não possuíam dons intelectuais comparáveis aos dos homens. Casulana publicou ao todo 66 madrigais, caracterizados por sua sensibilidade literária e ousadia harmônica, com uso expressivo de cromatismos e texturas inovadoras para sua época. Seu trabalho se destaca pelo uso da pintura textual — técnica que reflete o conteúdo do texto diretamente na música. Apesar de ter sido amplamente esquecida após sua morte, por volta de 1590, Casulana permanece hoje como um símbolo de resistência e pioneirismo feminino na música ocidental.


Barbara Strozzi (1619-1677)
Barbara Strozzi (1619–1677) foi uma compositora e cantora italiana do período barroco, considerada a mulher mais prolífica na publicação de música vocal secular na Veneza do século XVII. Filha do poeta Giulio Strozzi, cresceu em um ambiente intelectual que favoreceu sua formação musical. Estudou com mestres como Francesco Cavalli e, ao longo de sua vida, publicou oito coletâneas com mais de 120 obras — madrigais, cantatas e árias — muitas compostas para sua própria voz de soprano.
Sua música é marcada por grande expressividade, sensibilidade poética e domínio técnico. Embora vivesse em uma época em que mulheres raramente atuavam como compositoras profissionais, Barbara conquistou reconhecimento e espaço por meio de talento, determinação e apoio de mecenas. Hoje, é considerada uma das grandes pioneiras da história da música.

Louise Farrenc (1804-1875)
Louise Farrenc, aluna de piano de Johann Nepomuck Hummel, teve uma carreira marcada tanto pelo virtuosismo quanto pela composição. Frequentemente se apresentava em duo com seu marido, o flautista Aristide Farrenc, e seu talento ao piano lhe garantiu, por mais de trinta anos, uma posição de destaque como professora no Conservatório de Paris — uma conquista rara para uma mulher na época. Inicialmente dedicada à escrita de obras para piano solo, Farrenc expandiu seu repertório para a música de câmara e orquestral. Entre suas obras mais aclamadas está o Noneto, cuja estreia contou com a participação do renomado violinista Joseph Joachim.
Antonia Padoani Bembo
(c. 1640 – c. 1720)
Antonia Bembo (c. 1640 – c. 1720) foi uma compositora e cantora italiana do período barroco, reconhecida por sua originalidade e por fundir estilos musicais italianos e franceses. Nascida em Veneza, estudou com Francesco Cavalli, um dos principais compositores de ópera da época. Após enfrentar dificuldades pessoais e políticas, mudou-se para Paris, onde recebeu proteção do rei Luís XIV e passou a viver no convento da Madalena, dedicado a mulheres nobres. Lá, produziu grande parte de sua obra, incluindo cantatas, motetos e óperas com forte influência religiosa. Sua música é marcada pela expressividade vocal, pela variedade estilística e pela devoção espiritual. Embora pouco conhecida por muitos anos, Antonia Bembo vem sendo redescoberta como uma das poucas mulheres compositoras do barroco cujas obras sobreviveram.

Maria Theresia von Paradis (1759–1824)
Maria Theresia von Paradis (1759–1824) foi uma compositora, pianista e cantora austríaca notável, lembrada tanto por seu talento musical quanto por sua superação de adversidades. Cega desde a infância, ela recebeu uma formação musical privilegiada e foi protegida da imperatriz Maria Teresa da Áustria. Estudou com mestres como Antonio Salieri e possivelmente Mozart, com quem manteve contato.
Paradis teve uma carreira de destaque como concertista na Europa, cativando o público com sua expressividade ao piano. Além de intérprete, também foi compositora prolífica: escreveu obras sacras, peças para piano, canções e pelo menos cinco óperas, embora poucas tenham sobrevivido. Fundou uma escola de música em Viena, onde promoveu o ensino musical inclusivo, especialmente para meninas e pessoas com deficiência visual.
Sua vida e obra são símbolos de resiliência e genialidade, destacando o papel das mulheres na história da música ocidental.


Fanny Mendelssohn (1805-1847)
Fanny Mendelssohn (1805–1847) foi uma compositora e pianista alemã do período romântico, irmã do também compositor Felix Mendelssohn. Desde cedo demonstrou um talento musical extraordinário, compondo mais de 460 obras, entre canções, peças para piano e música de câmara. No entanto, por pressão social e familiar, muitas de suas composições foram publicadas sob o nome do irmão, o que ofuscou sua autoria por décadas.
Mesmo limitada pelas expectativas de gênero da época, Fanny manteve intensa produção musical e realizou concertos privados em sua casa, conhecidos como “Sonntagsmusiken” (músicas de domingo), que reuniam artistas e intelectuais de Berlim. Em 1846, desafiando as convenções, publicou seu primeiro livro de obras com seu próprio nome. Morreu no ano seguinte, deixando um legado que hoje é reconhecido como fundamental para a revalorização das compositoras na história da música.
Clara Schumann (1819-1896)
Clara Schumann (1819–1896) foi uma das mais importantes pianistas e compositoras do período romântico. Nascida em Leipzig, Alemanha, desenvolveu uma carreira precoce sob a rígida educação musical do pai, Friedrich Wieck. Casou-se com o compositor Robert Schumann, com quem teve uma intensa colaboração artística, embora sua própria carreira muitas vezes fosse interrompida pelas responsabilidades familiares e pelas dificuldades do marido. Após a morte de Robert, Clara retomou sua trajetória como concertista e educadora, destacando-se também na divulgação das obras dele. Sua amizade com Johannes Brahms foi fundamental nesse período. Clara Schumann deixou um legado marcante na música de câmara, no repertório pianístico e na história das mulheres na música clássica.


Chiquinha Gonzaga (1847-1935)
Chiquinha Gonzaga (1847–1935) foi uma das maiores pioneiras da música brasileira, reconhecida como a primeira maestrina do Brasil e uma das primeiras compositoras populares do país. Nascida no Rio de Janeiro, filha de um militar e de uma mulher negra alforriada, enfrentou forte resistência social e familiar para seguir sua vocação musical em uma época em que isso era inaceitável para mulheres — ainda mais para uma mulher separada e artista.
Chiquinha desafiou os padrões conservadores de seu tempo e construiu uma carreira brilhante como pianista, compositora e regente. Compôs mais de duas mil obras, incluindo modinhas, valsas, lundus e, principalmente, músicas para teatro. Sua peça "Ó Abre Alas" (1899) foi a primeira marcha carnavalesca da história e é até hoje cantada no carnaval brasileiro.
Engajada politicamente, lutou pela abolição da escravidão e pelos direitos das mulheres. Sua trajetória é um símbolo de resistência, inovação e independência feminina no cenário musical e social do Brasil.
Alma Maria Schindler-Mahler (1879–1964)
Alma Maria Schindler-Mahler (1879–1964) foi uma compositora, pianista e figura central da vida cultural vienense do início do século XX. Filha do pintor Emil Jakob Schindler, Alma cresceu em um ambiente artístico e intelectual. Desde jovem demonstrou talento musical e estudou composição com Alexander von Zemlinsky.
Apesar de seu potencial, sua carreira como compositora foi interrompida após seu casamento com o renomado maestro Gustav Mahler, que inicialmente a desencorajou de compor. Mesmo assim, Alma compôs cerca de 17 canções para voz e piano — obras marcadas por profunda expressividade, que combinam lirismo com harmonias sofisticadas, influenciadas por Mahler e outros compositores da época.
Após a morte de Mahler, Alma se envolveu com importantes figuras artísticas, como o arquiteto Walter Gropius e o escritor Franz Werfel, com quem também se casou. Embora frequentemente lembrada por seus relacionamentos com homens famosos, Alma Schindler-Mahler foi uma artista de talento próprio, cuja música vem sendo redescoberta e valorizada por sua qualidade e originalidade.

